terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Glóbulos brancos espirituais

  
Por Mestre Mohammad Abdullah Ansari

A energia é o resultado de forças opostas. Existe energia positiva e energia negativa; nem uma e nem a outra são boas ou más, as duas têm propósitos, mas são essencialmente neutras em si. Combinadas produzem poder, energia forte boa ou má dependendo da proporção ou grau de equilíbrio entre elas.

Temos falado sobre força de vontade. Muita gente com metas espirituais acredita que a força de vontade não se encaixa com o caminho em direção a Deus, mas isso depende da fonte ou impulso – se uma pessoa é impulsionada por motivos que se originam do ego isso nos prejudica tanto espiritual como fisicamente. Tudo depende de escolhas, e o propósito desta vida terrena é precisamente esse, escolhas, decisões, ou seja, livre-arbítrio. O que é o livre-arbítrio senão tomar decisões e tomar uma decisão requer força de vontade especialmente quando as opções são entre o correto e o incorreto e os impulsos do nafs/ego.

Voltando à ciência e um fato não muito conhecido, um “segredo” então. Como foi mencionado acima, a energia é o resultado da fricção produzida pelo choque entre forças opostas. De fato, se você estudar a cosmologia de todas as tradições espirituais, verá que assim é como Deus criou o universo, como começou tudo isto. Primeiro havia Um e o Um criou dois, dualidade, do um a dois e o conflito entre as duas forças criou vibrações que criaram todo o demais.

Os profetas em seus livros e através de suas cadeias de mestres nos explicaram o que é correto (em harmonia com as leis universais) e o que não é correto (o que causa distúrbios no equilíbrio da pessoa por não coincidir com realidades do universo). Com essa informação podemos tomar as decisões necessárias para alcançar o estado de insan-i-kamil, o ser humano que conseguiu a perfeição possível para um ser humano. Sem o conhecimento apropriado e sem tomar decisões corretas, é impossível avançar espiritualmente. Sem esforço o indivíduo não consegue evitar cair nas mãos das forças negativas (o exército de Satanás) e do nafs/ego. As forças deste mundo e as inclinações negativas internas tanto do DNA como o karma, são tão fortes que não fazer nada é tudo o que precisamos “fazer” para debilitar o “sistema imunológico espiritual”, a ajuda de Deus que, em uma pessoa lutando contra as forças negativas, está vigente.  Os erros causam bloqueios que impedem a corrente divina que está sempre fluindo em nós para nos ajudar a sintonizar com a onipresença Dele – colocamos como um dique impenetrável entre nós e a Força Suprema.

Há uma forma de energia que um indivíduo pode experimentar se estiver suficientemente atento e tiver o desejo bem dirigido a Deus. Esta energia se produz pelo mesmo princípio descrito acima, o choque das energias, da positiva e da negativa. Cada vez que tomamos uma decisão correta contra as inclinações e impulsos negativos é produzida uma energia limpadora (se transforma em energias) que corre pelo corpo todo tanto físico quanto energético. Esta energia é o que abre os canais de energia e guia divina destruindo os vírus do mal como os glóbulos brancos espirituais.

Ninguém pode ficar tranquilo esperando que Deus, um mestre ou práticas espirituais façam o trabalho.

“Na verdade, Deus não muda a condição de um povo enquanto este não mudar a si mesmo; e quando dispõe uma calamidade para um povo [como consequência de suas más ações], não há ninguém capaz de evitá-la, pois não há ninguém que possa protegê-los Dele.” (Sagrado Alcorão 13:11)

Como disse, se pudéssemos cumprir exatamente o que os profetas nos disseram, alcançaríamos a iluminação imediatamente. Sendo que não conseguimos em nossas condições atuais, fazemos práticas espirituais (dhikr, meditação, autovigilância) que nos dão fortaleza e para ter força de vontade para tomar as decisões que nos unificam com Deus.

“Portanto, sejam perfeitos, assim como seu Pai Celestial é perfeito”. Mateus 5:48

Uma nova era? Uma nova raça? Uma nova consciência?


Por Sheik Mohammad Abdullah Ansari

O mundo vai acabar, o que aconteceu inúmeras vezes antes, e seu tempo [ciclo] vai começar outra vez. Mas não tão já como alguns acreditam, não; as coisas têm que se tornarem mais difíceis primeiro.

Mas há outra coisa que precisamos acrescentar à equação: vamos morrer. Podemos retornar aqui ou não, ou podemos ir para outros lugares dependendo do nível de desenvolvimento do corpo sutil ou energético que tenhamos adquirido. Não vamos estar preocupados com a condição da Terra ou do mundo nesse tempo.

Algumas pessoas estão esperando uns salvadores, quer seja uma nova raça de seres humanos, extraterrestres, ou o que for, que venham salvar o mundo e colocar as coisas em ordem. É uma nova forma de materialismo. Este mundo não é nada além de uma realidade virtual. Este mundo não é a meta. Este mundo é um campo de treinamento para aqueles que escolhem se preparar para a seguinte etapa. Aqueles que estão buscando um mundo bonito com paz, amor e tudo isso, fecham a porta do conhecimento real. Nós, aqueles que escolhemos nos desenvolver, devemos trabalhar para manifestar a paz e o amor, isso é parte do processo. Com isso, a transformação de si mesmo, os olhos internos se abrem e a pessoa consegue uma maneira de ver o mundo e esta vida – não estou falando metaforicamente. Assim como este mundo, temporal e efêmero, não é realmente sólido, o invisível aos olhos físicos não é realmente intangível. Tudo o que você vê e o que não vê são gradações da mesma coisa, mas as pessoas normais, bem como as pessoas do novo materialismo “espiritual”, não podem ver além da parte mais densa porque se apaixonaram pelo mundo. Todos os profetas e sábios de diferentes épocas disseram que o amor por este mundo é a raiz de todos os males.  Com o desenvolvimento espiritual, vemos a face de Allah em tudo e não há nada mais bonito. Este mundo não é nada mais do que a ponta do iceberg. Existe muito mais para ver do que isso!

O mandamento de ajudar o próximo


Por Sheik Mohammad Abdullah Ansari

O mandamento de praticar boas obras aparece tantas vezes no Corão que podemos dizer que é um dos mandamentos mais importantes. Mas quando decidimos ajudar alguém ou realizar um projeto de caridade, de onde vem a motivação?

Temos falado sobre intenção, como a intenção é, de fato, mais importante que o ato. Também tenho dado muita importância a observarmos e conhecermos a nós mesmos – “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás a Deus”, disse o Profeta (s.a.w.s) (“a ti mesmo” se refere ao nafs/ego).

A história está repleta de pessoas famosas que realizaram grandes mudanças positivas na humanidade, mas se você pesquisar bem descobrirá que muitas delas não eram pessoas tão boas, eram egoístas, mulherengos, arrogantes que procuravam fama e adulação mais do que ajudar às pessoas (é claro que não todos). Usavam máscaras para parecer bons e enganaram a maioria das pessoas e acima de tudo aos historiadores. Essas pessoas acreditam que fizeram algo importante quando na realidade foi Allah quem fez e eles não foram nada além de ferramentas de Deus.

Deus diz: “Meu servo não cessa de aproximar-se de mim por meio de seus atos de adoração e pelas boas obras, até que o ame (especialmente), e quando o amo, sou os ouvidos com os quais ele escuta, os olhos com que vê, a língua com a que fala e a mão com que pega”. – hadiz Qudsi

Essa é a nossa meta, ser guiados, movidos por Allah em tudo o que fazemos. Temos que nos analisar, temos impulsos de fazer uma ou outra coisa: de onde vem o impulso? É através do corpo que podemos descobrir a resposta, as sensações tanto fortes como de nervoso ou tranquilidade, assim como sensações muito sutis que você só chegará a conhecer com a prática. Devemos questionar todo impulso que surge em nós, inclusive o impulso para fazer o que é bom. O nafs/ego é inteligente e traiçoeiro.

Quando chegar o tempo Allah nos dará sinais e oportunidades. Temos que estar alertas e ser cuidadosos. Temos que relaxar e sermos pacientes. As intenções e os motivos são sumamente importantes – uma boa obra feita por más razões atrai más consequências.

Nós devemos primeiro instalar em nossos corações a intenção de ter a oportunidade de realizar projetos de caridade e então esperar. Acima de tudo temos que nos tornar recipientes adequados para poder receber e reconhecer a guia divina. Dhikr, meditação, contemplação, trabalho em reconhecer e controlar o nafs/ego. Lembrança continua de Deus.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Viver pela espada, morrer pela espada


Por mestre Mohammad Abdullah Ansari

“Viver pela espada, morrer pela espada”, é um refrão comum, e tanto é verdade que vemos seu cumprimento realizado dia após dia no mundo. A violência traz mais violência, ninguém pode negar isso. Mesmo que, certamente, ninguém que leia isto “viva pela espada”, há outra forma de violência que afeta a todos e com resultados igualmente nocivos. Falo dos pensamentos negativos. A raiva, o ódio, a cobiça, a inveja, o rancor, o medo, a arrogância e muito mais danificam o corpo físico, o corpo energético e atrai mais do mesmo – isso é importante, esses pensamentos se manifestam em acontecimentos físicos que nos atacam externamente.

Com relação a nossa viagem espiritual, tirar, eliminar os pensamentos, é absolutamente necessário para abrir a porta tanto para a visão da Realidade como da guia Divina. Você nunca deve pensar que um pensamento é menos substancial que qualquer objeto material no mundo, tudo o que existe foi uma vez um pensamento. Cada vez que aparecem no cérebro nossos pensamentos tomam cada vez mais forma, mais realidade.

Um guerreiro tem que estar alerta em cada momento, consciente de tudo o que está acontecendo ao seu redor, sempre pronto para se defender. Um guerreiro espiritual também tem que estar alerta e consciente, mas daquilo que está acontecendo no seu cérebro e no seu corpo – observando o que está acontecendo no cérebro e as emoções que está manifestando no corpo.

É importante ter em mente que não somos o corpo, não somos o cérebro, não somos as emoções. Disse inúmeras vezes que temos que nos separar do corpo, do cérebro, e das emoções. Como fazer isso? Sei que é difícil entender e ainda mais conseguir, mas é indispensável se você quiser avançar e se libertar do sofrimento da “samsara”, o mundo telenovelesco de emoções de altos e baixos e entrar no rio de “barakas”, bênçãos divinas. O método é prestar atenção e observar. Observar os pensamentos, observar as emoções. Com isso pouco a pouco crescerá uma distância entre você, o observador, e o observado. Quem está observando? Quem você é realmente? Quanto mais você se esforçar em observar a “você mesmo”, ao seu ego, a seus pensamentos, aos seus desejos, etc., mais forte será a conexão e a consciência do seu ser real, de quem você realmente é.

O guerreiro busca informação sobre o seu inimigo, conhece o jeito dele, como ele funciona [age], investiga para saber que armas ele possui e quais são os planos dele. Se não conhecer o inimigo estará exposto a ataques e derrotas. Assim também acontece conosco, nosso inimigo somos nós mesmos, tudo o que é negativo dentro de nós – pensamentos e emoções negativas, bem como inclinações inculcadas desde o passado (ancestrais [DNA] ou karma de vidas passadas) e as influências exteriores da cultura, da sociedade, da família, de acontecimentos de nossas vidas e mais.

“Conheça-te a ti mesmo e conhecerás a Deus”. Isso não significa que você seja Deus, mas que ao conhecer as realidades sobre você mesmo e trabalhar para eliminar o ego e toda a negatividade que ele incita, abrirá o canal do conhecimento e da conexão com a Energia Divina, o próprio Deus.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

A respiração e a conexão divina

CADERNO DE TRABALHO SUFI


Por Sheik Mohammad Abdullah Ansari

“Todas as almas louvam a Deus com cada respirar”
(Salmo 150)

Cada exalação retorna para sua fonte do Alto e outra respiração chega do Alto e entra. Saiba que você não está respirando, mas Deus, bendito seja, está respirando em você. Recorde a Deus, Sua Misericórdia e Grandeza com cada respiração. A respiração nos da vida, e a observação dela nos desperta e nos dará consciência e sabedoria.”
Baal Shem Tov

Baal Shem Tov foi o fundador do Hassidismo, um ramo cabalístico importante do Judaísmo. Foi sufi no sentido que o Sufismo sempre existiu, e a Cabala foi uma das formas que o Sufismo tomou anteriormente. Leia o que diz um trecho da Cabala sobre Baal Shem Tov:

O último conceito que o rabi Isaac do Tania (Baal Shem Tov) cita é a o conceito de hashraá. É um termo difícil de traduzir. Sua raiz é shara (“submergir”), que implica uma infiltração persuasiva de um elemento ou força superior dentro de outro inferior. É usado comumente em referência à Shekhiná, a Presença universal de Deus dentro do reino criado. Desta maneira a identificamos com o conceito da onipresença Divina.

O termo hashraá é também usado no sentido vernáculo de ‘inspiração’, implicando uma força infinita que abrange a própria realidade, e eleva o indivíduo a um pleno transcendente que de outra forma seria inacessível para ele. Por exemplo, a inspiração que às vezes deriva de submergir-se regularmente dentro da presença de um tzadik (mestre, sheik) é tamanha, que a pessoa pode em certos casos adquirir alguma das capacidades do tzadik, apesar dele seguir sendo em essência o indivíduo que era antes.

[...] De acordo com o Baal Shem Tov, a imanência Divina implica uma equivalência direta com Deus e todos os outros níveis de realidade, como é expresso pelo aforismo hassídico: ‘Tudo é Deus e Deus é tudo’.

Não se pode dar muita ênfase à importância de respirar. Ou melhor, nas ramificações e realidades da respiração. Obviamente o ar nos da vida (que Deus usa para nos dar a vida), então na prática o ar e a respiração são imprescindíveis. Mas isso só reflete sua realidade espiritual que é igualmente, ou inclusive mais importante. Na citação dos Salmos vemos como a verdade, sobre a respiração e o ar, é mal entendida geralmente. A tradução hebraica realizada acima pelo grande mestre é a tradução correta. As traduções em espanhol, português e inglês transpõem as palavras evitando a interpretação  profunda. Dizem que todo ser que respira louve a Deus. Isso não é o que o hebraico diz. Você deve entender que o processo de respirar, o movimento físico e a atenção vinculam o ser com o Divino. É por isso que a palavra ar e respirar em muitos idiomas (Latim, Grego, Sânscrito, Hebraico, Árabe, Chinês e outros) é igual a espírito ou alma. O ar, ou o componente sutil que acompanha o ar, cruza dimensões e faz a conexão entre o ser e a fonte de tudo.

Entretanto, enquanto isso é um fato automático nos animais e outras criaturas, o ser humano tem a opção, o ser humano tem que aproveitar conscientemente essa realidade para funcionar. Deus quer que nós nos submetamos voluntariamente – é um princípio básico de nossa existência, parte de nossa existência terrena.

Em tudo o que fizermos, vamos nos submeter a Deus ou ao nafs. Talvez você acredite que há outra possibilidade, mas não há. E a respiração é a prova. Veja como a respiração reflete seu estado emocional e o ambiente em que você anda – sempre e quando não está conscientemente participando. O que quero dizer com participando? Desperto, alerta, observando a respiração e controlando-a. Inclusive ter consciência desse fato, o da natureza errática da respiração, é revelador. Trate de manter-se consciente de sua respiração por um longo tempo (bem, mesmo um período curto). Você verá que em pouco tempo a esquecerá, por completo. Mas durante o período em que você poderia observá-la você se dará conta de como reflete seu estado mental e emocional e provoca reações físicas não saudáveis. Essa é a parte reveladora. Agora trabalhe para manter uma consciência da respiração em todo momento. Além disso, mantenha-a constante, relaxada e regular. Essa é a parte prática.

Ao fazer o que foi dito acima onde estarias? Te falo: no presente, no momento presente. Não existe nada mais presente do que a respiração. Como dissemos, a maioria das pessoas raramente está no momento presente – está no passado ou no futuro. As recordações do passado não são preciosas e muito pouco do que esperamos que aconteça no futuro acontece como esperamos. Nossos pensamentos do passado e do futuro são falsos. Só o momento presente é real. Quanto mais tempo você passar no presente, realmente no presente, mais você vai ver, experimentar e entender; seu mundo se tornará maior e os distúrbios emocionais desaparecerão.

Por meio da respiração a consciência, com o tempo, chega. Uma consciência da outra realidade, uma expansão dimensional e outros benefícios que deixarei para que você experimente por si mesmo.

Quero que meus estudantes respirem como o Baal Shem Tov descreve na citação no início deste escrito. Regule suas inalações e exalações e, desta maneira, controle as emoções diretamente. Quando não estiver fazendo uso da mente diretamente em algum trabalho relacionado com alguém – quando estiver dirigindo, caminhando, etc., diga ao inalar Allah e ao exalar Hu (se pronuncia Ru, o pronome Ele, referindo-se a Deus). Cada inalação e cada exalação devem recordar-lhe de Deus. Trate de sentir que é Allah respirando em você.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

O emocionalismo


 Por Sheik Mohammad Abdullah Ansari

O emocionalismo é a antítese do espiritualismo. A imagem popular do santo estoico que não se perturba com nada, que parece sem emoções, não está muito longe do alvo. Lembre-se que não devemos confundir o amor real e suas ramificações (compaixão, tristeza com a condição dos outros, e etc.) com as emoções; o amor não é uma emoção – o amor falso sim o é – o amor mais comum está baseado em interesse pessoal, sexo, medo ou conveniência. Para aqueles que alcançaram um grau de paz emocional, resta a pergunta: “estou mal, é bom não ter muita emoção ou é apatia?”.

Para respondermos a pergunta só temos que abrir os olhos e observar as vidas das pessoas emotivas, que são levadas pelas circunstâncias de cima para baixo como uma montanha russa emocional. Queremos uma vida telenovelesca? Acho que não! Uma pessoa emotiva não consegue pensar. O que é melhor, pensar ou não pensar? Todavia, lutamos com a pergunta: eu sou o louco? Só com mais práticas espirituais chegaremos à resposta, inshallah (se Deus quiser) – um foco em Deus, meditação e um esforço constante para fazer o correto.

As emoções negativas, medo (sem perigo real), avareza, ódio, raiva, inveja, depressão, preocupação, têm reações físicas negativas até, com o tempo, provocam doenças. Estar consciente dessas reações é um passo importante no caminho espiritual, isto é, conhecer o que está bloqueando a visão de nossa realidade divina é uma parte primordial no trabalho de remover esses obstáculos que cobrem a conexão com nossa realidade, o corpo sutil, o coração, a alma.

Como a raiva, o ódio, a avareza e todas as outras emoções negativas são sentidas? São prazerosas? Na realidade elas têm duas caras: são como drogas, nos levam a outro estado de consciência, nos desconectam do cérebro e do raciocínio, e pior, podem nos fazer cometer atos contraproducentes e/ou atos destrutivos, estados em que cremos que estamos corretos, isto é, até desfrutamos causar dano a nós e a outros – um estado de cegueira. As emoções negativas reforçam o estado físico, reforçam o engano da materialidade e a solidez do corpo, assim como a ideia de que somos o corpo.

Observar esse processo, a realidade do que está acontecendo, conduz à sabedoria, o conhecimento das realidades desta vida.

Observar e sentir conscientemente as reações físicas do corpo nos momentos em que surgem emoções negativas, automaticamente nos separa delas a um grau e esse grau aumenta pouco a pouco com a prática até que conseguimos o controle e as eliminamos por completo. Além do controle das emoções, esta prática conduz à consciência mais forte do ser real, a alma, a consciência de uma realidade, nossa realidade, um ser eterno habitando temporalmente um corpo, um veículo, uma ferramenta e com isso a habilidade de usar essa ferramenta para cumprir nossa missão na Terra – a de conhecer e experimentar a Deus.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Posse e propriedade


Por Sheik Mohammad Abdullah Ansari
                                                         
Durante algum período da minha vida trabalhei vendendo carros. O dono da companhia reciclava fuscas, carros da Volkswagen usados feitos novos, era uma pessoa estranha, imprevisível, até mesmo errática. Um dia dois empregados estavam discutindo sobre quem era o dono de algo, não me lembro exatamente de que coisa, uma ferramenta ou carro, e o chefe me disse: “Não sabem que a propriedade é uma ilusão”. Fiquei surpreso porque esse homem não era nada espiritual, mas o que ele disse foi muito profundo e não foi a primeira ou a última coisa dessa índole que havia falado. Como disse, podemos aprender de qualquer pessoa, a verdade é a verdade não importa de que boca saia – na verdade, quem está falando? Deus sempre está falando conosco e escolhe uma série de formas para fazê-lo.

Há muitos ângulos de entendimento sobre posse e propriedade. Muitas vezes nossas posses nos possuem ao invés de as possuirmos – isso é apego, um obstáculo importante no caminho espiritual reconhecido assim por todas as sendas esotéricas. O desejo, que o Budismo considera a principal causa do sofrimento do ser humano, é uma forma de posse, o desejo como uma extensão da coisa desejada provoca emoções que desencadeiam reações físicas – se você vê algo que deseja (ou qualquer outra emoção – desgosto ou preconceito assim como toda gama de emoções e pensamentos tanto positivos como negativos) essas emoções fazem com que o cérebro envie químicos pelo corpo com efeitos bons ou maus.

Mesmo se por um trabalho em si mesmo, meditação, autovigilância e autocorreção, você se libertar do apego a coisas materiais, isto é, se você já não for “possuído” por suas possessões, você acredita que é o dono das coisas? Quando uma pessoa compra uma casa por meio de uma hipoteca se sente como dona da casa, enquanto, na verdade, o banco que é o dono.  Como também muitas coisas acontecem na vida e tudo muda em um dois por três.  Quem realmente é o dono da casa? Quem é o dono de tudo o que você acredita que é seu?

Devemos entender que nada nem ninguém nos pertence. Temos tudo emprestado de Deus. Quanto mais entendermos isso e torná-lo real em nossas vidas mais livres ficaremos para receber. Receber? Nós fomos feitos para receber e Deus está dando. Não recebemos o que Deus está dando porque estamos cheios, cheios de “posses”, apegos às coisas, desejos de possuir mais coisas e mal-entendidos como a ideia de que possuímos coisas. Quanto mais temos, mais pesados e cheios estamos. Você deve chegar a ver e sentir esse fato, essa realidade “fisicamente”, isto é, que isso não é uma metáfora, são coisas que você pode ver e sentir se continuar trabalhando nas práticas como as formas de meditação e a autovigilância, corrigindo pensamentos errôneos e negativos, bem como evitando emoções negativas. Se não nos cremos nem nos sentimos donos de nada, uma cascata de bênçãos, presentes de Deus, cairá sobre nós. Deus, a Realidade Consciente da existência, está onipresente em todas as coisas, se não o vemos é porque colocamos uma barreira entre Ele e nós. Não devemos acumular, mas tirar, esvaziarmos.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Chega de rótulos


Por Mestre Mohammad Abdullah Ansari

Há algum tempo contei para uma estudante de yoga, uma doutora, que no Tibete às pessoas pagavam os médicos enquanto estivessem sãs e deixavam de pagá-los se ficassem doentes. Ela respondeu que isso não funcionaria aqui.

Isso me fez pensar. Hoje em dia seria impossível que uma comunidade entrasse de acordo para fazer algo assim como a comunidade tibetana do passado. Por quê? Naqueles dias todas as pessoas da sociedade compartilhavam ideias iguais, todos acreditavam nas mesmas coisas e eram unidos. Todos sabiam seu lugar na sociedade e ninguém se rebelava, todos faziam sua parte. Podemos ver o mesmo em tribos “primitivas” e também nos tempos em que um profeta viveu com seus seguidores. Tão logo o profeta morria pouco a pouco a religião que Deus lhe revelou começava a ser distorcida e as pessoas voltavam para seus antigos hábitos.

Hoje em dia vemos que em qualquer país existe uma grande dispersão de ideias e maneiras de viver; não há concordância geral e por isso existe muito conflito.

É comum que pessoas “religiosas” se identifiquem com outras pessoas da mesma religião. Acreditam que sua religião é a melhor e que outras pessoas de sua religião são melhores e rejeitam as pessoas de outras religiões. Contudo, você compartilha as mesmas ideias e interpreta a sua religião da mesma forma que as outras pessoas da sua religião? Nos EUA onde a maioria das pessoas é cristã protestante deve haver centenas de igrejas cristãs de diferentes seitas com ideias um tanto diferentes das outras igrejas cristãs protestantes. Na América Latina onde a maioria das pessoas é católica, cada pessoa tem sua própria forma de ser católica, segue algumas leis da Igreja e ignora outras. Não há consenso.

No mundo atual há grupos que se rotulam muçulmanos e que matam em nome de Deus e inventam pretextos “islâmicos” para cometer atrocidades contra todo mundo. Até há países que adotaram a lei islâmica (xaria), mas suas interpretações acabam sendo não-islâmicas e podemos dizer o mesmo sobre o hinduísmo.

A verdadeira realidade é que você pode ter mais em comum com uma pessoa de outra religião do que com alguém que professa a mesma fé que você. Cada vez que você rotula algo, esse algo se limita, é distorcido e o pior, a pessoa que rotula outra ou a religião dela limita o seu próprio entendimento e até encolhe seu cérebro.

Em nome da religião vimos atrocidades ao longo da história, a inquisição, a Segunda Guerra Mundial e extermínio de judeus; Israel contra palestinos, os talibãs no Afeganistão, os fanáticos “islâmicos” no Iraque e na Síria nos dias atuais, e muitíssimas outras mais desde o princípio dos tempos.

Deus revelou a ciência de como são as coisas e como podemos nos harmonizar com Ele, mas a fórmula Dele para fazer isso não se encontra na maneira em que as religiões de hoje em dia são entendidas e praticadas. Todas as religiões pregam o não julgar, é hora de colocar isso em prática, além de desfazermos de rótulos e preconceitos. É hora de usar o cérebro. Um muçulmano é alguém que se submete a Deus – não conheço ninguém que realmente esteja submetido a Deus, então não há muçulmanos de verdade. Existem católicos de verdade? Duvido! Tampouco existem judeus de verdade e nem budistas.

Todavia, há pessoas lutando para serem muçulmanos, cristãos, católicos, judeus, budistas e etc. Seguimos com eles sem importar os rótulos. Vamos buscar a conexão com o Todo-poderoso sem importar o nome que usamos por Ele ou por nós mesmos.

A forma de amar a Deus é através do amor por Sua criação – ama ao teu próximo.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Remova os limites


Por Sheik Mohammad Abdullah Ansari

Um sábio lama tibetano escreveu:

“Vocês se lembram da história de um Geshe Kadhampa [um lama da linhagem budista tibetana] que viu um homem circunvalando [um ritual religioso, dando volta, caminhando] uma Stupa [monumento ritual de peregrinação]? O Gueshe lhe perguntou: ‘o que você está fazendo?’. O homem respondeu ‘circunvalando’. O Geshe disse: ‘não seria melhor se você praticasse o Dharma [conduta reta, leis universais]?’. Depois viu que o homem estava fazendo prostrações e quando lhe perguntou o que fazia, o homem respondeu: ‘estou fazendo cem mil prostrações’. ‘Não seria melhor se você praticasse o Dharma?’ - perguntou o Gueshe.

E assim continua a história, mas aqui o ponto é que só fazer atos que parecem ser devotos como as circunvalações e as prostrações não é necessariamente praticar o Dharma [seguir o Sistema de Deus]. O que temos que fazer é transformar nosso apego a nós mesmos e a atitude de autossatisfação. E se não mudarmos nossa mente desta forma, nenhuma das outras práticas que fizermos servirão; fazê-las é só uma brincadeira.” (Lama Thubten Yeshe)

O lama explicou a importância de uma atitude amorosa amável, uma forma de ser que os budistas chamam bodichita, de querer o bem-estar de todo o mundo, a todos os seres sencientes, de desviar a atenção de si mesmo em direção a todos os demais, igual como os profetas Jesus e Muhammad (Maomé); amor – Jesus pregou a todos, até aos inimigos e a vida do Profeta Muhammad foi um exemplo de amor puro.

Há algum tempo escrevi o seguinte sobre o tema:

“Na verdade há tantos caminhos como há pessoas, todos nós somos diferentes e todos temos necessidades espirituais distintas. Um lema sufi diz: “O amor é o caminho mais rápido até Deus”. O amor, o método do amor para conhecer a Deus e conseguir a “iluminação” é composto por compaixão e compreensão, um desejo de que outras pessoas sejam felizes e exitosas e que consigam a proximidade com Deus. Uma oração do budismo tibetano é:

Que todos os seres sejam felizes,
Que todos os seres se libertem do sofrimento,
Que ninguém seja despojado de sua felicidade,
Que todos os seres consigam igualdade, livres de ódio e de apego.

Querer que todo mundo seja feliz e que haja paz no mundo inteiro é logicamente impossível, mas o desejo de que aconteça é uma forma poderosa de romper a ilusão egocêntrica de separação. Como diz o Alcorão, todos somos criados a partir de uma única alma, todos estamos conectados, querer o bem de outra pessoa é querer o bem de uma parte de nós mesmos, ajudar a uma pessoa é ajudar a nós mesmos, amar a alguém mais é amar a nós mesmos. Querer que todo mundo seja feliz e livre de sofrimentos é uma forma poderosa de combater o domínio do ego.”

No tempo dos profetas as pessoas entenderam o porquê dos ensinamentos, o poder energético dos mestres era tamanho que suas palavras tocavam ao coração e não era necessária mais explicação. Hoje em dia tudo é diferente.

Hoje queremos saber: por quê?

“Os servos do Compassivo (Deus, ar-Rahman) são aqueles que vão pela Terra humildemente e que, quando os ignorantes lhes dirigem a palavra, dizem: Paz!” (Sagrado Corão 25:63)

Nossa realidade, o ser divino, reside em nós mesmos, mas está enterrado embaixo de uma invenção criada por nosso apego ao mundo e uma grande avalanche de influências mundanas – o ego, o grande EU. Não há outra maneira de chegar a conhecer nosso verdadeiro ser, nossa realidade, nosso núcleo divino, sem dominar o ego.
  
Falar de ego e de sua eliminação assusta a pessoas normais, creem que o ego é quem são, que o ego é sua individualidade e sem ele se tornariam menos, quando na verdade é o contrário, o ego nos torna pequenos, nos encolhe; além do ego há um vasto universo – todo um universo está dentro [de nós]. O ego é uma personalidade falsa, uma criação do mundo material e suas influências – na realidade não existe, é um fantasma. O ego é uma crença, é criado de fantasias de quem somos e assim nos restringe entre essas fronteiras, os limites que nós mesmos nos colocamos. Se você pensa que é isso, você não é tudo o demais.

O verdadeiro ser não tem limites, é parte da Realidade Divina. “E Ele é quem vos criou de uma só Alma...” (Sagrado Corão 6:98). Estamos conectados a todas as outras almas, somos mais que um indivíduo, somos parte de tudo e assim muito maior do que já experimentamos.

Somos tontos limitando nosso crescimento e desenvolvimento espiritual ao nos apegarmos a essa fantasia prejudicial, o ego, nossa imagem de ser.

Nossa salvação é nosso próximo, nossa atitude para com os demais, nossos bons desejos para com todos, nossa ajuda até os limites de nossas habilidades. Tudo isso implica uma luta contra nós mesmos, ou melhor, contra nossos interesses, orgulho, soberba, raiva, preconceitos, preconcepções e todo o demais que constitui a irrealidade que criamos.

Toda a negatividade, pensamentos e emoções negativas nos levam a vidas de sofrimento e dor. Temos que manter em mente que cada coisa que fazemos por outras pessoas, cada bom pensamento e emoção, na realidade estamos fazendo por nós mesmos.

Lembre-se o que é o amor. O amor é a frequência energética através da qual a guia de Deus flui. Faça a conexão. Ame e conecte-se.

Expectativas, decepções e aceitação

Caderno de trabalho sufi Por Mestre Mohammad Abdullah Ansari Tudo o que vemos, isto é, este mundo material e as coisas que lhe s...