terça-feira, 12 de dezembro de 2017

O profeta Abraão e a análise pessoal



Por Sheik Mohammad Abdullah Ansari

“E, EIS ENTÃO que Abraão falou [assim] a seu pai Asar: “Acaso tens os ídolos como deuses? Em verdade, vejo que tu e teu povo estais evidentemente extraviados!”

E demos [assim] para Abraão [sua primeira] visão do magnífico domínio [de Deus] sobre os céus e a Terra – para que fosse dos que possuem convicção interior.

Quando veio sobre ele a escuridão da noite, viu uma estrela [e] exclamou: “Este é meu Senhor!” – mas quando se ocultou, disse: “Não amo o que se desvanece”.

Logo, quando viu a lua sair, disse: “Este é meu Senhor! – mas quando se ocultou, disse: “Certamente se meu Sustentador não me guia, serei sem dúvida dos que se extraviam!”.

Então, quando viu o sol sair, disse: “Este é meu Senhor! Este é o maior [de todos]!” – mas quando este também se ocultou, exclamou: “Povo meu! Certamente estou longe de atribuir, como vós, divindade a Deus! Certamente me voltei inteiramente a Aquele que criou os céus e a Terra, afastando-me de toda falsidade; e não sou dos que atribuem divindade a algo junto com Deus.” (Corão 6:74-79)

Geralmente estes ayats são entendidos como um aviso contra associar algo com Deus, um costume de muitas sociedades no passado e, segundo estes ayats, do próprio pai de Abraão. Ele [Abraão] viu incríveis criações de Deus, as estrelas, a lua e o sol e sua primeira reação foi comparar essas criações com Deus (o Rabb em árabe). Mas, o que fez? Ao ver que essas coisas não eram duradouras, permanentes, que se desvaneciam, concluiu que não podiam ser o Deus verdadeiro, permanente, sem limites, sem começo e sem fim.

Em tudo o que existe só Deus é permanente e imutável. Deus, com qualquer nome, é a energia consciente básica de todo o demais, como escrevi em outro escrito:
Allah é a fonte de energia que sustém o universo. Se Ele cortasse a corrente por um segundo, tudo desapareceria. Tudo depende de Allah, não somos nada, não temos poder, conhecimento, nada. Só com esse entendimento podemos terminar o reino do ego e desenvolver a humanidade necessária para romper o apego a este mundo e conectarmos com o Verdadeiro Poder.”

Mas há algo aqui de igual importância que Abraão (a paz seja com ele) nos mostrou, algo imprescindível, uma prática que todos devemos estar fazendo continuamente em nossas vidas. Abraão usou seu cérebro, ele analisou a situação e baseado nos fatos e no seu conhecimento chegou até a verdade. Se tivesse ficado com apenas as primeiras aparências sua vida teria sido totalmente diferente.

Deus nos deu um cérebro e consciência por um motivo. O Corão diz uma e outra vez: “considere isso”, “medite nisso”, “reflita sobre isso”. Allah, Deus, Yahveh, Brahma, está dizendo: “pensa, analisa, use sua mente”.

Para fazer isso, para pensar, para usar a mente, temos que conhecer a mente e isso também implica conhecimento de tudo o que impede de entender e conhecer a mente, isto é, as emoções, pensamentos negativos, medos, desejos, gostos e desgostos e tudo o que está acontecendo dentro [no interior, interiormente]. Observando e analisando a tudo.

“O que significa dhikr (zikr)? Dhikr significa lembrança, nossa prática é dhikr Allah, lembrança de Allah. O que é Allah (Deus)? É a energia consciente que sustêm a existência. Onde está essa Força Divina? Dentro de tudo o que existe e isso nos inclui, Deus reside em cada célula dos nossos corpos. Muito embora, geralmente, o dhikr se refira à meditação na qual repetimos os nomes de Allah sozinhos ou em grupo e também durante o dia repetindo frases como ‘Alhamdulillah’, ‘Subhanallah’, ‘Bismillah’, ‘Mashallah’, e etc., mais importante [ainda] – dhikr significa lembrança! Lembrança implica consciência, estar alerta, desperto. Onde está Deus? Em nosso corpo, cérebro, olhos, no ar que respiramos...”

“TRANSMITE [aos demais] o que te foi revelado desta escritura divina, e seja constante na oração, pois, certamente, a oração refreia [ao homem] das ações desonestas e de quanto atenta contra a razão; e a recordação de Deus (dhikr) é na verdade o maior [bem]. E Deus a sabe tudo o que fazeis.” (Corão 29:45)

Você sente a Allah em todo o seu corpo? Para realmente sentir a Deus em nós mesmos temos que reconhecer a parte ou aspecto de nós que não é Deus. “Conheça a si mesmo e conhecerá a Deus”, disse o Profeta (a paz seja com ele). Conhecermos a nós mesmos significa conhecer tudo. Vivemos uma dualidade. Nosso núcleo é a alma, uma faísca da essência de Deus. Para chegar a conhecer essa parte de nós, a única parte real, temos que primeiro conseguir conhecer e dominar a parte que não é real, a parte criada pelas influências mundanas, pela família e situações da vida, da sociedade e cultura em que nascemos, nossos medos e apegos materiais assim como também as inclinações internas herdadas, o DNA. Esse é o ego, uma entidade independente de nossa verdadeira realidade, uma personalidade falsa que nos desviará do caminho.

Sobre isso escrevi:

“O ego, uma ilusão de quem somos, uma imagem de ser, uma falsidade criada pelo medo e influências tanto externas como inclinações negativas interiores, produz uma contração do mundo do indivíduo – uma solidez física e um encolhimento do mundo da pessoa. Essa contração material inibe o crescimento do corpo energético, o corpo que vamos habitar na próxima etapa de nossa existência. Se o corpo energético não se desenvolve neste mundo e nesta vida pode ser que se estanque para sempre. Para continuar o desenvolvimento da alma temos que alcançar um grau de desenvolvimento aqui neste mundo primeiro. Aqui temos o livre arbítrio para escolher. A cada momento a vida nos da opções para escolher”.

Escolher! Temos livre arbítrio para escolher entre o ego e Deus. Mas primeiro temos que reconhecer o que é o ego e o que é Deus, ou seja, qual parte de você está chamando? Onde está o seu foco – no eu, eu, eu, ou em Deus? Além de Deus estar em nós mesmos, em nossos corpos, está também em todos os demais – interatuar com o próximo é atuar com Deus indiretamente – cuidado.

O dhikr é estar alerta, observando e analisando-nos, estando conscientes dos pensamentos e emoções: como são e de onde vem? Quanto mais pudermos alcançar um conhecimento do que não é nossa realidade, isto é, do ego, mais nossa realidade, o ser real, começa chegar à superfície, à consciência, mais nossas vidas serão guiadas por Deus ao invés de pelo ego.

Temos que usar nossa habilidade mental para observar e analisar tanto a nós mesmos como à vida e nossa parte nela.

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