sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Viver sem viver


Por Mohammad Abdullah Ansari

Você pode encontrar tempo para meditar três horas por dia, seis, ou mais, ou se retirar a uma montanha e se sentar em frente de uma árvore (como Buda fez) e olhar dentro de si até que você chegue a um estado de paz e tranquilidade. Então você pega seu carro para voltar a casa e a bateria morre. Você liga para sua esposa e escuta uma mensagem dela que diz que lhe deixou por outro. Chega um mecânico que carrega a bateria, mas rouba o macaco do seu carro e outras coisas que você guardou nele. De caminho para casa um policial lhe detém e tira quinhentos reais de você com um pretexto qualquer. Você chega em casa e encontra o seu filho drogado e a sua casa destruída. Sua filha chega com o namorado dela, um inútil, para lhe dizer que está grávida e os três vão morar na sua casa, e: o que tem na geladeira?

Você conseguiu manter a sensação de paz e tranquilidade?

Temos dito que este mundo é de importância primordial, um passo indispensável em nossa viagem de uma longa vida, que esta vida não é mais que uma estadia curta, mas crucial. Nossa evolução como seres humanos não pode ser completada se nos escondemos da principal fonte de ensinamento e desenvolvimento: o próprio mundo. Talvez seja correto acreditar na reencarnação, porque se morremos sem cumprir o nosso trabalho na Terra voltaremos para tentar realizá-lo outra vez. Quase o mundo todo é como monges porque estão vivendo sem viver, isto é, sem consciência, uma espécie de sonho.

Obviamente não sou contra a meditação, mas sim contra a prática ou forma de meditação que não induz a um estado de consciência elevado que lhe da a habilidade de entender e tratar com os acontecimentos difíceis desta vida; essa meditação não vale nada! A meditação que você faz apenas por períodos curtos ou longos não é nada mais que uma parte do trabalho necessário. Devemos estar despertos às 24 horas do dia. Temos que aprender a ler os sinais que a vida continuamente nos está dando. Devemos poder usar as práticas mais importantes que fazemos dentro de nossas atividades cotidianas. De fato, devemos usá-las ou não valem nada! Além disso, algumas das práticas mais importantes se encontram dentro destes escritos mesmo – práticas e atitudes que se realizam ou usam continuamente durante o dia.

Bem, falamos da consciência. Quando dizemos consciência estamos nos referindo a um estado de perceber, de estar presente no momento, de presença plena. Significa não estar pensando ou preocupando-se do passado ou do futuro, mas [estar] apenas no presente. Significa estar alerta e pronto. Significa que nenhuma coisa, nenhuma emoção ou atividade está levando você a viagens mentais, fantasias ou afundando-lhe em emoções negativas ou reacionárias. Estar vivo, no momento, sem medo.

Estar consciente significa que vês as coisas como realmente são, não por meio de percepções manchadas de preconceitos, preconcepções, recordações, gostos e desgostos.  Não reaja negativamente a nenhuma provocação e ninguém poderá lhe ferir. Você é invulnerável!

Se realmente você entendesse a beleza deste estado ou condição você o buscaria. Mas não é tão fácil como apenas querer, as forças negativas e o ego são fortes demais. Entretanto, podemos entrar neste estado, ou níveis ou graus dele, e nele estamos quando praticamos várias formas de meditação. Outra maneira simples de conceber esta consciência é auto-observação. Quando você está observando a si mesmo, tanto nos exercícios meditativos como em plena atividade mundana, você está se colocando na posição de observador. Quem é o observador? Quem está observando a quem?

Há exercícios de séries de movimentos, Tai Chi ou os de Chi Kung, ou desse estilo que tratam da consciência corporal. Sentimos o corpo, no começo muito pouco e com o tempo, muito forte, e, então, o fluir intenso da energia. É como se estivéssemos vendo o corpo, sentimos e vemos, e, assim nos separamos dele – estamos ali, mas não ali. A consciência está vendo o corpo, estamos nos posicionando na mente real, a consciência do coração, e entramos numa consciência elevada de presença plena. A consciência corporal adquirida nesse tipo de exercício é uma consciência parcial e específica, é para praticar exercitando músculos sutis necessários para a consciência mais ampla requerida para estar realmente desperto, consciente e alerta na plena atividade da vida cotidiana.

Outra forma de auto-observação é a de uma pessoa checando continuamente sua própria conduta. Alguém preocupado, como todos devemos estar, de no cometer erros na sua forma de pensar, isto é, vigiando-se a si mesmo de pensamentos e emoções negativas como julgamentos e a raiva. Isto pode estender-se mais profundamente até colocar-se em um estado de consciência de si mesmo em que todos os processos e reações, corporais, emocionais e mentais estão presentes à vista. Quem está vendo?

Aquele que está vendo e experimentando tudo é o ser real, o coração, a parte da alma entre o nafs (o ser o alma terrena) e as partes da alma conectadas a mundos superiores e à própria força Divina. A direção divina e a ajuda de Deus chegam através do coração.

Qualquer pessoa pode alcançar um grau de consciência fazendo o que foi acima descrito. Mas manter este estado e fazê-lo crescer e convertê-lo em um hábito é outra coisa. Sem a prática, depois de alguns momentos a pessoa é novamente devorada por forças exteriores e, então, [termina] em uma avalanche de pensamentos e emoções provocadas por ditas atividades e forças; dormindo.

Estamos usando termos meio seculares. Nas sendas espirituais, nos ramos místicos de todas as religiões, os praticantes focam continuamente em Deus. Encontrei esta prática, pela primeira vez, quando era jovem, no começo da minha busca espiritual, ao estudar os primeiros cristãos, neste caso, os padres do deserto. Eram cristãos coptas do Egito que repetiam dia e noite o nome de Deus (não sei que nome usavam). Uma das principais práticas do Sufismo é o zikr (dhikr) que é a repetição dos 99 nomes de Deus (Allah). Dhikr significa lembrança de Deus. Meu Sheik (mestre) sempre nos diz: “Foquem em Allah”. Quando você entende a verdadeira realidade da forma semi-secular de auto-observação e o método de focar na Entidade Suprema, verá que é a mesma coisa. As duas requerem conhecimento: quem é você? Quem está observando a quem? E na outra, um conceito da Unidade Sagrada suficientemente ampla, grande e não material.

Posicionados no coração várias coisas podem acontecer. Uma é que o poder do nafs/ego está encolhido, não pode exercitar tanto sua vontade, o canal de envio ao cérebro está ocupado pelo coração e isso reduz as reações emocionais e o fluir de neurotransmissores negativos e nocivos ao corpo. Outra coisa é abrir o canal e fluir de energia, que queima a negatividade e aumenta o estado de consciência criando o que podemos chamar um círculo virtuoso no lugar de viciosa. Continuaremos.

Um comentário:

  1. Texto maravilhoso. É convite para a prática.

    praticar, praticar, praticar.

    Focar na vivência.

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