sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Um todo muito maior


Por Sheik Mohammad Abdullah Ansari

Para a pessoa normal o corpo e este mundo são tudo – sou este corpo e o que acontece neste mundo é de importância primordial. A pessoa que, por uma de várias razões, começa a duvidar disso e a sentir a realidade de uma vida e realidade além desta vida terrena, pode começar a rejeitar o corpo, a materialidade e a menosprezar esta vida. Se a pessoa continua pesquisando, estudando, fazendo práticas espirituais e/ou encontra um (a) mestre espiritual, reavaliará esta ótica e chegará a entender que este corpo, vida e mundo são sumamente importantes e são, juntos, o caminho que nos conduzirá à seguinte etapa de nossa existência. Ao ver o corpo com olhos internos vemos um lugar, não um objeto fixo restringido por tempo e espaço. E o mundo é uma escola na qual devemos aprender realidades cósmicas para passarmos para o outro lado. Não aprender, isto é, reprovar no curso de estudos desta escola pode ter consequências desagradáveis e, possivelmente, permanentes. Segundo este esquema há três grupos: os que estão submergidos e presos ao material, totalmente cegos às realidades além dos sentidos físicos; os que intuem outra realidade e rejeitam o material crendo que um exclui ao outro (o material e o espiritual); e os que entenderam que tudo é um, e o material e o visível é uma parte imprescindível de um todo maior.

Hoje em dia somos diferentes de nossos antepassados; diferente deles, quem entendiam inatamente ou tinham a natureza de crer e seguir cegamente a sabedoria comum (os campos energéticos do conhecimento coletivo) e aos sacerdotes e mestres; nós queremos motivos, queremos saber por que, e queremos saber o que vamos ganhar por dedicarmos a qualquer atividade. Por este motivo falamos com mais profundidade do processo e funcionamento da meditação e suas formas não consideradas normalmente como meditação e por que convém a nós gastarmos tempo com elas.

A religião formal insta às pessoas a buscarem a “salvação”. Ameaçam-nos com o inferno e nos incitam com várias versões do paraíso. A vida cotidiana já nos devorou a um grau que a salvação procurada pela maioria é a salvação das dificuldades e do sofrimento experimentado física, emocional e materialmente nesta vida difícil. E o paraíso que as pessoas mais querem é puramente material, ou pelo menos, alívio do sofrimento que torna sua vida difícil. Inclusive os anciãos fiéis que já não têm esperança de uma felicidade mundana, esperam uma vida celestial no céu depois da vida, mas que se assemelha ao paraíso material onde tudo é bonito segundo seus sonhos e gostos.

Bem, acredita que você é tão diferente? Todos nós passamos por um processo de lavagem cerebral no qual o mundo em que vivemos nos convenceu que ele é tudo. Digerimos esta ideia inclusive quando dizemos que não. Como? Ainda que proclamemos que cremos em uma realidade além da matéria, estamos cheios de preconcepções, imagens e desejos de como é a “realidade além”.

Há tantas coisas notadas no mundo físico pelos físicos, astrônomos e cientistas cosmólogos que não têm explicação além de forças invisíveis e misteriosas, tanto é que agora é aceito pela maioria dos cientistas que o material visível constitui não mais do que 5% do universo. Falam de material e energia escura que ninguém sabe o que é.

De algumas maneiras os cientistas são melhores do que nós. Eles deduzem realidades além do visível baseadas em realidades que viram e podem medir. Eles estão dispostos a mudar de opinião se descobrirem novos fatos e não há espaço neles para seus desejos pessoais. Não importa se o casamento deles vai bem ou mal, se o filho deles entrou no mundo das drogas, se não conseguem [o suficiente] para todos os gatos ou qualquer problema pessoal – os fatos são fatos.

Não obstante a atitude do cientista em geral, alguém que busca a realidade no ramo espiritual, por qual razão for, tem algumas vantagens sobre o cientista, se entende bem a verdadeira natureza do ser humano: buscar as respostas dentro [de si]. Dentro de nós se encontra um espaço muito maior que todo o universo que os cientistas podem observar ou medir e tudo isso é acessível aos que têm a vontade e paciência de persistir no trabalho necessário.

Porém isso requer que tenhamos a atitude dos cientistas que parece, ainda que eles não concordem, com a essência da religião, que é submissão a Deus. Isto é, temos que nos livrar de nossas próprias ideias de como as coisas devem ser e ver o mundo e a vida de forma totalmente objetiva. Os budistas dizem que o desejo é a origem de todo o sofrimento. O desejo (material) não é mais do que outra maneira de expressar nossa rejeição a Deus, ou ao Cosmos como é, e a submissão é outra maneira de expressar ou estar em harmonia com o universo.

Como o cientista vê que o universo está se expandindo a uma velocidade cada vez mais rápida, contra toda lei física e racional e deduz que têm de haver outras forças não visíveis envolvidas, se nos esvaziarmos de nós mesmos, ou melhor, do nafs/ego que quer nos dominar, mais do que deduzir que há mais de nossa realidade do que o visível e o normalmente perceptível, poderemos experimentar essa realidade e muito mais.
  
 Essas ideias não pertencem a uma tradição espiritual apenas, existem em todos os ramos autênticos. Aqui no México existia, e ser Deus quiser, existem pessoas que experimentaram a verdade. O xamã Yaqui don Juan Matus , sobre quem o antropólogo Carlos Castaneda escreveu, usava termos diferentes, mas expressou realidades idênticas as que os esotéricos de todos os tempos, quer sejam judeus (cabalistas), cristãos (gnósticos) ou muçulmanos (sufis) [expressaram]. Disse: “[...] no universo há uma força imensurável e indescritível que os bruxos chamam desígnio e que absolutamente tudo quanto existe no cosmos está entrelaçado, ligado a essa força por um vínculo de conexão. Por isso, o total interesse dos bruxos é delinear, entender e utilizar tal vínculo, especialmente limpá-lo dos efeitos nocivos das preocupações da vida cotidiana.”

A limpeza de “preocupações da vida cotidiana” é o primeiro passo na senda espiritual. É também o que todos querem mesmo se não acreditam ou querem saber ou experimentar algo desconhecido. Todos querem a paz e a libertação do estresse e da preocupação se é só para se relaxar um pouquinho. Bem, isso se consegue se se esvaziar e fizer contato com a força divina que penetra tudo o que existe. Essa força nos limpa e abre canais ao conhecimento e nos liberta.

Desde os princípios dos tempos existiram métodos para fazer contato com essa força. 

Continuará.

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