Por Sheik Mohammad
Abdullah Ansari
Escrevi:
“Uma das coisas que impede nosso avanço espiritual é o
“puxão” do passado. Todas as coisas que essa pessoa que “éramos”, a pessoa dos
corpos anteriores, a pessoa que cremos que eram nós mesmos, suas ideais, ações,
façanhas, amigos, filhos, esposos/as, pecados, boas obras, tudo são como laços
fixos, presos a todas essas semirrealidades da outra pessoa através da qual
nossa alma entrou e saiu. Até que cortemos esses laços, continuaremos
estancados, paralisados e passando por corpos cada vez mais sólidos e sujeitos
a todos os efeitos da vida material assim como do ego, a personalidade falsa,
que nos têm como prisioneiros em uma fantasia.”
Também escrevi recentemente:
“Não estamos aqui na Terra para acumular coisas, não estamos
aqui para ser exitosos e importantes... estamos aqui para observar,
experimentar, viver, amar (não ser amado, mas amar), ser e conhecer Allah que
está escondido sob a superfície de todas as coisas. Em todas as tradições
espirituais nos advertem contra o apego às coisas, a não sermos controlados
pelo apego à materialidade. Pouca gente faz caso, nem entende.”
A primeira parte de cima se refere ao fato de que nossa
desconexão do passado é mais que uma forma de pensar ou de controlar o cérebro
e as emoções, mas também uma realidade, que o tempo não flui como água, mas é
uma série de fotogramas que dão a ilusão de movimento, de continuidade.
Realmente não somos as pessoas do passado. O universo é como um holograma e nós
também. Vivemos em um mundo multidimensional, mas nosso estado atual não nos
permite ver tudo o que está acontecendo, não podemos ver sem trabalho, mais que
uma ranhura da realidade. Por isso a maioria da humanidade carrega sobre si tudo
o que fez, pensado e sentido nos fotogramas do passado, crendo que essas
pessoas eram elas mesmas. O que nos conecta com nosso passado é karma, ao
crescer/mudar o corpo (uma sucessão de corpos que habitamos) o corpo acumula
efeito dos fatos (que inclui pensamentos e emoções) do corpo anterior e assim o
karma nos afeta em nosso estado atual porque o corpo reflete cada pensamento
bom ou mau assim como as emoções produzem efeitos tanto físicos quanto
psíquicos.
No segundo parágrafo reproduzido acima falamos do apego.
Como diz, o apego é abordado por todas as tradições espirituais como um
obstáculo primordial na senda espiritual. Mas, o que significa o apego? Obviamente
vem da palavra pegar. Imagine todas as coisas do quarto voando em sua direção,
como se você fosse um imã e estivesse coberto de todas as coisas ao seu redor.
Você poderia se mover? Isso é exatamente o que está acontecendo com quase todas
as pessoas, não é possível ver as coisas, mas sim, estão pegas (coladas) às
pessoas. Mas se não é físico, o que está pego (colado) e como?
As coisas estão pegas (coladas/grudadas) ao corpo “físico”.
Por que a palavra físico está entre aspas? Porque nossa realidade é outra, um
corpo sutil ou energético ou uma consciência que se move de corpo em corpo. “De
corpo em corpo” neste caso não estou falando da transmigração ou reencarnação,
mas do corpo físico deste momento ou período de tempo para outro corpo físico
nesta mesma vida. Depois de alguns anos não temos nem uma única célula de
antes, o corpo é totalmente novo, parece mais velho, mas na realidade é como
outra nova existência – cada momento é um pacote único. Trate de imaginar a sua
realidade, o seu ser real ou alma, como uma nuvem passando de um corpo para
outro continuamente. Os corpos são o que acumulam o efeito de karma e isso é o
que vamos experimentar bom ou mau. E esse é o sofrimento, os estados mentais e
emocionais desagradáveis que experimentamos – os efeitos dos acontecimentos do
passado, não só pelo que fizemos, mas também pelas experiências da vida, ou
vidas. O único alívio ou salvação é desconectarmos do passado – apagar nossa
história pessoal.
É primordial manter em mente, estar consciente da, a razão
pela qual estamos aqui na Terra. Estamos aqui como parte de um processo de
crescimento espiritual. Tudo aqui é projetado com esse fim. A vida e tudo o que
acontece tem um propósito, há uma razão para tudo o que acontece. Se não
entendemos isso ou o esquecemos, nosso passado cria impressões no corpo e
conduz ao sofrimento e a um grau de estancamento espiritual. Tudo reside na
mente. A pessoa mediana é formada por experiências de sua infância e vida em
geral, seu passado – é pura psicologia básica. Mas mudamos a atitude e vemos o
passado, nossas experiências, boas e más, como parte de um processo e que
estamos progredindo por ter experimentado tudo isso (ainda que não saibamos
completamente as razões) mudamos toda a situação. Temos que entender o que
aconteceu, ocorreu ao corpo que habitamos temporalmente – não somos esse corpo
e nem é o mesmo corpo que habitávamos no passado. Sofremos por identificarmos
com o corpo quando na realidade somos outro.
O que nos aconteceu há dez, vinte, trinta ou mais anos
ocorreu a outro corpo e fisicamente já não existe. Sua única existência nós estamos
criando na mente, uma irrealidade que produz dores físicos reais. É uma decisão
que tomamos.
A única realidade é o momento presente. Sentir o momento é
viver. Escolher recordar o passado como uma realidade nos arrasta para baixo,
nos faz pesados e tira a sensação de vida do corpo – mata o momento.
“Siddartha (o Buda) descobriu que nosso hábito de fixar-se
na mera aparência de nosso sonho do mundo relativo, pensando que ele é
realmente existente, nos joga num ciclo interminável de dor e ansiedade.
Estamos num sonho profundo, hibernando como um bicho num casulo. Temos tecido
uma realidade baseada em nossas projeções, a imaginação, esperanças, medos e
delírios. Nossos casulos se tornaram muito sólidos e sofisticados. Nossas
imaginações são tão reais para nós que estamos presos no capuz. Mas podemos nos
libertar simplesmente por entender que tudo isso é nossa imaginação.”
Dzongsar Khyentse
“[...] conhecereis a verdade e ela vos libertará” (João
8:32). A verdade é este momento, nenhum outro momento é a verdade. Só se nos
desconectarmos do passado poderemos ser livres. Recordar a verdade é a maneira
de ficarmos presentes.
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